terça-feira, 16 de agosto de 2022

Estoicismo - A fortaleza impenetrável de compreensão e virtude

 




Estoicismo vem da palavra grega “stoá” que significa pórtico (aqueles que ficam embaixo do arco),  local onde surgem os primeiros pensamentos desta corrente. Fundada por Zenão de Cítio, o estoicismo surgiu no período helenístico, orientado por um pensamento que rompe radicalmente com a ideia de pólis. A pólis que vivia no âmago do cidadão grego no qual se centralizavam as atividades filosóficas, políticas e culturais. Não era mais um princípio para o estoicismo (e outras correntes helenísticas). A verdade não está mais no coletivo, não pode ser alcançada por um coletivo e nem mesmo age ou revela-se sobre ele, mas sim individualmente. A primazia da verdade estoica é o bem-estar da alma, a saúde e o equilíbrio possível e até o distanciamento político. A diplomacia e a tentativa de manter uma pólis organizada pode causar perturbação e tende a ser instável. Como diz de Epíteto: "De todas as coisas existentes, algumas estão sob o nosso poder, outras não”. A sabedoria estoica neste caso, é ter  consciência e maturidade para perceber que a conivência com o sofrimento reside na tentativa de controlar alguém, algo ou o estado. Expectativa, desejo e controle  geram frustração. A pólis significava procurar a felicidade pelo bem-estar comum, no entanto, para Epiteto e outros pensadores não se deve buscar a felicidade fora, mas sim dentro.

O estoicismo teve maior difusão no império romano através de Sêneca, Marco Aurélio e Epiteto e Cícero (que traduziu a filosofia  para o latim). Apesar da linha filosófica acometer na ideia do bem-estar coletivo,  de um estado como uma causa final e não individual. A ontologia estoica entende o mundo gerenciado por um logos (razão universal) ordenado que controla todo cosmos (universo). Tudo que acontece, acontece por uma razão, cada um tem o papel a cumprir, um devir, um vir a ser. O logos é uma matéria sutil que adentra em todos os corpos ligados a experiência. É o cálculo perfeito de forma que, dos menores aos maiores fenômenos; as suas interações em decorrência de fatos são regidas por esta razão. Há um nível colossal destes fenômenos se comparado ao indivíduo; tendem a incompreensão dos limites de uma mente humana, tal como a φαντασία (phantasia) que gera a impressão ilusória da realidade. Já a impressão da mente é denominada φάντασμα, phantasma (fantasma), significa “aparição de coisas extraordinárias, fontes de ilusão e imagens sem consistência. Ilusão de ótica".

É natural do ser humano julgar o certo e o errado, e muitas vezes a impressão errônea curiosamente corrige-se em um jargão popular: “o mundo não gira em torno de você”... mas você gira em torno do mundo, maior que você e maior que a sua mente. Diante da imensidão do universo, seria presunçoso julgar o acontecimento dos fatos como justos ou injustos. A injustiça é injusta para os olhos humanos, mas para o logos, o todo tem um papel no universo. Observar os fatos com amplitude, entender o sentido dos acontecimentos diante do devir, tal compreensão sobre as interações da vida, para os estoicos é chamado φαντασία καταληπτική (Phantasia Kataléptica). Significa a procura de uma representação fidedigna, com que grau conhecemos, e se estamos conhecendo realmente. É a percepção da realidade como tal, de  modo que, ainda, sim, percebe-se em uma pequena fração, uma amostra por uma da cópia da verdade.  Para isso existe o termo  "anima mundi" do latim (Alma do mundo) em grego ψυχή τοῦ παντός (psychḗ tou pantós) é um conceito cosmológico geral, mas contém diversas conotações por linhas filosóficas e até mesmo escritores literários. Para os estoicos é o lugar do próprio cosmos, arché (essência) ou princípio fundamental da vida e força vital que insere os papeis, ações e interações para criar o equilíbrio e harmonia. A alma é integrada a esta força e inseparável dela,  no qual o universo e o divino se manifesta.  

Há uma figura um tanto peculiar neste meio filosófico, Marco Aurélio da dinastia nerva antonina (Os cinco bons imperadores, segundo Maquiavél) foi estoico e escreveu em seu diário experiências pessoais, carregadas de filosofia e auto-entendimento. Tais anotações resultaram um livro chamado “meditações”. O fato é que o estoicismo era um solo fértil para o império romano, mas seria legítimo um imperador responsável por um estado imenso, pela opinião pública e por interações coletivas praticar o estoicismo? Sim. Marco Aurélio elegido a imperador, tem este papel no universo, procurava agir de acordo com as leis do logos. Vale ressaltar que para ele o domínio e o controle sobre Roma não seria objetivo, mas de fazer o melhor,  o correto e agindo no que é possível.  Reconhecendo que a sua felicidade e o seu equilíbrio interno é o precedente que permite a execução de funções políticas de maneira virtuosa. O estoicismo é conveniente para Roma no sentido de justificar a existência de um império porque há uma razão para existir, e até mesmo justificar as injustiças de um império.

Em relação aos papéis, a vida é como se fosse um teatro, o diretor é o logos, o teatro é o cosmos e os atores, são os protagonistas da vida que se submetem ao diretor. A função do homem então é atuar o seu papel da melhor forma, há um certo naturalismo determinista na distribuição destes papéis. A ἀρετή (areté - virtude moral) estoica demanda uma compacticidade do ser com o logos. É a sintonia, que em sua etimologia, do  grego Syn-tonos que significa força-igual, força-junto. É seguir a lei natural no justo e injusto que se apresentam. Há uma obrigação moral para o cumprimento do cosmos, a reta razão (essência de virtude ou justo meio)  exprime a obrigação de não se corromper pelos vícios, assim como a Ἀταραξία (ataraxia) traduzida como ausência de inquietude ou preocupação. Ceder aos vícios e desejos é fugir, negligenciar e negar as adversidades da vida.  A não aceitação e o não comprometimento além de corromper a saúde e moral do indivíduo  se opõe ao logos que apresenta os desafios, adversidades, perdas e sofrimentos por uma razão maior. Há um comprometimento com o chamado do logos para sua função que deve submeter-se ao dever. A palavra εὐδαιμονία (eudaimonia) felicidade e bem-estar cunhou ao estoicismo um significado com a máxima “viver de acordo com a natureza” o estoicismo. Sabedoria prática da vida, a φρόνησις (phronesis) significa prudencia ou sabedoria mencionada em Aristóteles.

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