Paideia
O nome paideia refere-se ao processo educativo em que os gregos da antiguidade desenvolveram para direcionar o seu meio civilizatório de forma consciente, com camadas éticas e sociais. Este processo age estruturalmente e dispõe de diversos campos do conhecimento, no entanto, por mais diferentes que sejam as áreas do conhecimento, a estrutura tem um princípio: compreender a natureza humana.
Educação é um fator determinante em um grupo social, reflexo de formas e ações que ocupam e interagem com todos os elementos fundamentais da vida. Observando o organismo civilizatório grego conseguimos entender as bases necessárias para o crescimento de uma nação virtuosa e também espiritualizada seja em esferas sociais e privadas. Notamos que as palavras: virtude, ética, estado, política e sabedoria estão sempre integradas, onde se concentram em uma certa manifestação de espiritualidade e transcendência. Estas são as "necessidades vitais" para os gregos. O autor retrata aspectos que o ocidente se diferencia dos outros, com um marco histórico que renova o processo civilizatório de todo seu lado. Werner Jaeger define a paidéia como "forças conscientes do espírito (...) que estruturam no coração humano as mais altas formas de cultura''.
As forças que compõem a estrutura educativa se devem por conta da busca de um propósito. O propósito do indivíduo para si e para os outros, segundo o autor, essa seria a primeira "concepção do indivíduo em sociedade". E aqui podemos entende- la através da filosofia grega. É possível evidenciar o porquê que esta civilização conseguiu construir as bases humanas de forma disciplinada e organizada, ainda por uma contemplação e inspiração do espírito.
No começo da formação do pensamento grego a filosofia nasce por um princípio, a procura do ἀρχή Arché (origem). O arché é a essência das coisas, a origem que responde também a um entendimento de algo maior, "o todo", que possui uma função chamada de λόγος (logos) ordenada pelo κόσμος (Kosmos). Kosmos tem uma estrutura, organização e propósito. Uma nação que compreende o divino metafísico como ordem e organização, procura a clareza e excelência na construção das relações sociais e na própria educação. Assim a filosofia começa com a procura do Arché (causa de todas as coisas) que, em certo momento, participa no papel social do estado, das artes e das ciências.
Podemos entender que a busca de sentido de toda existência é integral no papel coletivo, a política e o estado são entidades ligadas a uma ideia metafísica, porque significa algo que direciona e ordena (kosmos). Diferente das outras culturas, este elemento não depende de figuras místicas ou mitológicas e sim como uma ideia de consciência representativa do divino, da luz do saber e do esclarecimento. É uma procura pelo entendimento por trás das coisas, sejam elas complexas ou até mesmo as consideradas menores, “inúteis”. Porque depende de um saber desinteressado, pois há uma vocação pela curiosidade que não é inútil. A descoberta naquele contexto aproximava cada vez mais a conexão com o divinosagrado. Fazer parte desta ordenação universal do ''kosmos'' é estabelecer indivíduos que procuram desenvolver as suas faculdades mentais colaborando com propósito e excelência.
O papel da construção coletiva entende-se como um encaixe correto de peças dos indivíduos em uma engrenagem maior do kosmos. O homem que também procuraria a sua fluidez no mundo. Como veremos em Aristóteles na obra "Ética a Nicômano"
O marco que sofistica e refina a ideia de cidadania grega é a formação de um pensamento não individualizado. O conceito da subjetividade pertencia a uma Φύσις (Physis) natureza que atinge a consciência de si mesmo pelo caminho do espírito onde se estabelece leis e normas, pensamento e forma. A physis que pela definição do autor representa uma "Conexão viva pelo qual tudo ganha posição e sentido". É a "concepção orgânica" do qual membros fazem parte de um todo, criando as ''leis do real''. Estas leis ordenam a linguagem e as formas de arte como uma "estrutura natural amadurecida, originária e orgânica", sempre integrada ao coletivo e a ideia de progresso cidadania e compreensão da mesma. Em suma, o que eles enxergavam como fenômenos naturais também poderia elucidar respostas para fenômenos humanos.
O caráter artístico dos gregos constitui a representação de sentimentos universais encontrados na psique humana. Seja pelas artes plásticas, arquitetônicas e literárias. Na mitologia grega existe uma fonte rica de representações de comportamentos, visto que os deuses possuíam características e sentimentos humanos. A própria mitologia grega é uma fonte de referência para explicar conceitos abstratos, como Platão no “ mito de Er” do livro X e nos diálogos do Fedon . A psicologia também empregará alguns dos mitos, Freud para explicar o complexo de édipo (“A interpretação dos sonhos’’ 1899). E claro observamos influência de Homero, visto que ele seria a raiz destes conhecimentos mitológicos, poéticos e existenciais. Na literatura e nas artes cênicas Homero é colossal, temos o exemplo da influência trágica das obras de Sheakspeare, onde há um crescimento narrativo e literário do modelo ocidental. A tragédia grega é presente nas peças de teatro e cinema, se não houvesse tragédia, não haveria bilheteria. Também observamos uma fórmula de estrutura narrativa, a jornada do herói (monomito) (CAMPBELL, JOSEPH. 1948 . "O Herói de mil Faces" ). Notamos um forte entendimento de como realizar uma oratória articulada, esta é definida por Wener Jaeger como "Um amadurecimento das leis que governam o sentimento e a linguagem" A Filosofia grega carrega desta influência da arte e poesia, o surgimento de recursos fantásticos e míticos carregavam consigo a substância do arché humano e social. Os Gregos, além da Φύσις (Physis), tinham uma percepção de leis universais o ''λόγος'' (Logos) sendo uma entidade metafisica que elabora o processo de construção da consciência, sabedoria e descoberta. O logos organizaria e esclareceria o conhecimento da physis, como uma força racional que algum momento entra em contato com o indivíduo, ou pela sabedoria o individuo o acessa. Importante ressaltar que para os pensadores daquela época não havia distinção entre ciências humanas e ciências naturais. Como visto anteriormente, as respostas eram conectadas, o que poderia ser descoberto na "physis" também servia de aplicação em relações humanas, visto que o logos possui uma linguagem ordenada, representativa e universal. A natureza (Physis) possui uma essência (Arché) que responde aos princípios e formas da vida. Estes elementos dependem de uma razão universal direcionada, esclarecida e regulada por um λόγος (logos). Logos, mesmo que tenha um valor abstrato e metafísico, só pode ser sentido e compreendido através da razão. É algo tangível, alcançável e não separado. Esta é uma postura antropológica que responde muito ao avanço quanto à ideia de educação e civilização. Porque tendo consciência que é possível transgredir o caminho sacro pela razão, ela é o ponto de partida para todas as coisas, e para os “não-sacros” o logos vira uma representação simbólica (e ainda que em nível simbólico) incorpora no cidadão grego a admiração e o amor pela sabedoria e razão.
No sentido antropológico, o autor retrata o homem grego como "Antropoplástico", ou seja, um homem que consegue modelar o homem, o conceito e modelagem do desenvolvimento humano seja no corpo, nas artes, na razão e em qualquer campo de nossa natureza.
Considerando toda essa composição da nossa formação humana, diante do berço da civilização, Werner Jaegerz aponta algo importante: a influência grega não deveria ser considerada algo distante de nós. Muitas vezes o objeto de origem (o ''clássico'' seja na cultura, na música, no pensamento e em outros aspectos) remete a ideia de distância, muitas vezes inalcançável. O espírito civilizatório e de aprendizado é universal, porque também somos racionais e somos capazes de sentir o fenômeno de contemplação (travmatízo) em relação à verdade. (Travmatízo) é um termo grego que significa “espantarse” ou “traumatizar-se” com as dúvidas e descobertas nas questões que realmente importam para a vida. A razão grega sustenta uma posição filantrópica, sincera e ousada. A ousadia em questionar e criar laços com a natureza e com a humanidade não é utópica ou ideal, a nossa racionalidade consegue atravessar horizontes, estes que colaboram tanto nos campos da subjetividade quanto na exterioridade. Como foi dito anteriormente, a mentalidade grega compreende a espiritualidade de forma integrada, através dos pilares da trindade grega: o poeta, o homem do estado e o sábio. A ideia de virtude é sólida, onde existe a honra em ser cidadão; mais que isso, existe a honra em ser o cidadão que participa de um coletivo, representado por uma transcendência racional de natureza cosmológica.
Talvez este o conceito que se mostra mais distante na sociedade moderna, ver a integração das áreas e a procura de esclarecimento e contemplação do próprio.
O autor então, evidencia esta grande problemática que anda presente no nosso sistema educacional, entendemos que a "virtude social grega" é uma referência, mas que está distante de uma realidade, porque se contrapõe por problemáticas modernas. Entende-se deste modo que o papel da pedagogia como estudo e efetivação acabaria não acreditando em seu propósito, muito menos em seu potencial como sistema educador. Areflexão é válida inclusive para todos os campos do conhecimento, cabe perguntarmos a pergunta essencial: para aonde vamos com esta informação? Qual o propósito disto? Como podemos aplicar? além disso, como podemos incorporar esse saber?.
São perguntas que direcionam todas as ciências para um caminho ético, consciente e humanitário. Tanto a filosofia, a pedagogia e outras áreas do conhecimento humano, tem cada vez mais o papel fundamental em identificar a necessidade e propósito de determinado conhecimento. Isto porque todos nós temos uma racionalidade capaz de alcançar esclarecimento e direção. Porque somos capazes de sentir e viver a composição e ordenação harmônica do κόσμος (Kosmos).
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