O Suicídio e como sair dele

INTRODUÇÃO

Estamos em setembro amarelo uma época não muito comemorativa mas sim consciente, sinto que o dom de escrever muitas vezes tem propósito de trazer algo maior. Ando passando por inúmeras transformações internas, acredito que meu estilo de escrita e meus temas vão se modificando conforme a bagagem e experiência.  No ramo do inconsciente coletivo, nada é por acaso e para os materialistas e behavioristas essa regra não se aplica, nem mesmo para Freud. Deixarei este tema para depois, falarei agora sobre a vida.

Começando o conceito de suicídio vindo do abismo filosófico vamos abordar essa visão baseado em Albert Camus e depois subiremos do abismo para os alpes mais altos em Aristóteles, Sêneca, Espinosa e Nietszche.

O MITO DE SÍSIFO - CAMUS

Sísifo faz parte da mitologia grega e recebeu a punição de ser condenado eternamente a rolar uma pedra gigante com as mãos até o final da montanha. Toda vez que chegava no final, um força maior derrubava a pedra até o início da montanha. Sendo seu esforço invalidado. É um conceito que se aplica a vida, a ideia de um esforço tremendo repetindo padrões sem chegar a um resultado tangível e satisfatório, dando brecha apenas para o sofrimento em busca de uma luta invão. Isso tem muito aver com a mente de um suicida, na maioria das vezes o suicídio não consciente (falaremos sobre o suicídio consciente depois) na mente doente ele não encontra soluções para conseguir deixar que a pedra fique no topo, ao invés disso ela cai. Se sente como uma pessoa incapaz de lutar, como se os desafios e a adversidade fosse um peso de uma pedra, trazendo sofrimento e voltando ao marco inicial. Por mais que ele tente o resultado é o mesmo. Mas aí está o ponto-chave : já dizia Einstein "insanidade é continuar fazendo a mesma coisa esperando resultados diferentes".

CICLO DE SAMSARA

No budismo e hinduismo temos o conceito da "Roda de Samsara" o ciclo kármico do sofrimento. Separado entre o ciclo das seis existências

Reino dos seres do inferno : É como se fosse o inferno com fogo, poços de sangue , agulhas e medo. Frio intenso, seres violentos que não aceitam união, acordos e diplomacia.

Reino dos fantasmas famintos : Reino das necessidades fisiológicas, o indivíduo sempre estaria incompleto e sem alívio. Sofrimento, remorso, sede, nudez, miséria, doenças, etc... Tem também os espíritos da fome que vivem com a pele grudada nos ossos, estomago inflamado buscando comida de forma incessante.

Reino animal: É um reino dos animais, dividido com os seres humanos. "O reino animal lida com a sobrevivência e brutalidade, mas também contém certas regalias que os seres de luz ou os seres humanos não seriam capazes de desfrutar, como voar como uma ave ou nadar como um peixe, e toda a multiplicidade de outras maravilhas que a primavera do mundo animal contém. Este reino é dominado pelo torpor e pela falta de iniciativa, pela ausência de sentido de humor e de inteligência criativa. Sua condição é considerada inferior por não possuírem a liberdade para decidir que comportamento deve ser adotado em cada situação específica."

Reino dos seres humanos: Um dos reinos de renascimento, em que é possível atingir o nirvana. É comandado pelas emoções. As pessoas sentem todas as emoções: Felicidade, ódio, alegria, tristeza tornando instável o equilíbrio mental, vivemos este ciclo e a busca do equilíbrio é atingir o estado do nirvana.

Reino dos Semi Deuses Asura: São seres divinos, com espiritulidade avançada, mas com ciúmes, gerando rivalidade entre eles. Passam o tempo deles lutando entre si em busca de posses e território. "Estes semideuses parecem gostar de pensar que eles são divinos, mas, após ter transcendido o desejo do reino humano, ainda de alguma forma, têm o ego humano ainda firmemente enraizado. Eles são seres humanos em forma de Deus, mas ainda não são seres celestiais. E são totalmente bêbados pelo poder. O resultado de ações positivas realizadas com alguma inveja ou com um sentido de competição, condiciona o “nascer” no mundo dos semi-deuses"

"Os semi-deuses vivem num estado muito alegre e feliz, mas como ainda possuem o sentimento da inveja e da competição não se espiritualizam porque estão imersos em facilidades e felicidades"

O reino divino: O ultimo reino,  entretanto ainda tem que evoluir. Reino dos Deuses é um reino de recompensa toral, alegria e felicidade, extâse total quase sem a existencia de karma. Neste muitos são envolvidos pelo orgulho devido à devoção dos outros reinos como o dos humanos. Muitas vezes esquecem da razão da sua existência, deixando de cumprir o propósito de ajudar os outros reinos.

Ou seja, até os Deuses não são completamente iluminados, todos os reinos têm como o obstáculo o desejo. No reino dos Deuses muitos desejam ser louvados ou simplesmente ficarem naquele paraíso sem ter a consciência plena de seus papéis.

QUEBRANDO PADRÕES E CICLOS REPETITIVOS

Voltando ao ponto do suicídio e o sofrimento — Os seres humanos vivem em uma estrutura universal muito interessante e problemática porque é como se vivessemos todos os ciclos mesmo ainda em vida. Sentimos fome, inveja, dor, orgulho, prazer, desejo, animalidade, instinto, brutalidade, guerra, luta, etc ... ou até mesmo nos sentimos Deuses vivendo em paraísos.

Todos os ciclos incluindo a felicidade também é causa de sofrimento. Ja parou para pensar que felicidade de mais pode fazer mal? Temos um quadro clássico do bipolar que na sua fase de hipimania (felicidade máxima, agitação e exitação) acaba entrando em delírio e desconexão com a realidade. Podendo beirar a uma psicose. Para tudo é necessario sentir, mas para tudo se pode beirar. Equilibrar as sensaçõe é a resposta. Por isso a meditação e a dissociação da mente e das sensações é o caminho para iluminação. Ao invés da dissociação com a realidade.

Sísifo, samsara e padrões repetitivos = Inconsciente coletivo de Jung.

Na relação entre camus de sísifo e samsara do budismo encontramos uma resposta: ciclos se repetem, e temos que observar estes ciclos repetitivos. É muito nítido isso na psicanálise, repetimos padrões de estruturas psíquicas repoduzidas na nossa criação. Estas estruturas são feitas pelo âmbito da família. Tendo o sujeito como objetivo (já no sentido Junguiano) quebrar o karma familiar. Quebrar o ciclo que se repete. Você pode perceber que uma família pobre, por exemplo tende a gerar pobreza para suas gerações já que seus padrões repetitivos contem uma série de crenças limitantes, estas que se reproduzem no aspecto inconsciente dos filhos e até mesmo consciente. Levamos em consideração tambem as dificuldades sociais e oportunidades fechadas. Aquele caso do garoto ou garota que saiu da pobreza, é  um indivído que rompeu com a barreira das crenças limitantes. No sentido mais materialista Freudiano é nitido casos clínicos em que o homem, por exemplo procura aspectos na mulher (amor pathos) semelhantes ao da mãe e as mulheres dos pais. (Complexo de édipo) e das mulheres o inverso. Porque é a primeira referência de figura masculina ou feminina que temos. Isso não quer dizer que o desejo seja incestuoso no mundo real mas é uma referencia simbólica ficaria registrada.

E quando temos uma relação conturbada com os pais muitos não conseguem se resolver em relacionamentos porque reproduzem inconscientemente este conflito mal resolvido dos pais. Sendo feito a transferência, ou seja, a pessoa transfere uma barreira que teve na familia vendo o objeto de desejo (a pessoa que ama) carregada de defeitos paternais e maternais.

LEMBRANDO: A regra não é aplicada a todos. Isso são casos gerais.

Essa transferência não se aplica só ao amor mas também a muitos detalhes da vida, visão de mundo, determinação força e vitalidade (elã vital de Espinosa ou vontade de potência em Nietzsche).

A SOLUÇÃO DE CAMUS

Para Camus o mito de sísifo relata a filosofia do absurdo, a vida em sí é um absurdo, porque viver é repetir padrões, sendo a unica saida criativa a revolta contra o próprio absurdo. Como a vida é um absurdo não vamos levar ela muito a sério, seremos absurdos também. Visto que no conto "O estrangeiro" o cara mata uma pessoa que vai encher o saco dele porque estava com muito calor na praia, segundo o protagonista.  É uma saída esteticamente "underground", subversiva e criativa. Bonito aos olhos mas feio na prática . Não é muito aconselhavel né? Então vamos sair desse nilismo e ir para os alpes altos.

O filme Taxi Driver de Escorcese, com personagem interpretado por Robert de Niro é um exemplo sobre a reação e revolta em relação ao absurdo. 

Visto num ângulo social, o personagem quer fazer justiça sobre universo dos bordéis. 

Finaliza com uma certa insanidade provocada pela idéia do absurdo. Cuidado em não achar solução. 

SÊNECA - O SUICÍDIO CONSCIENTE

Existe suicídio consciente? Existe e o melhor exemplo que entrelaça uma resposta visionária de Aristóteles, Espinosa e Nietzsche é o exemplo do filósofo Estóico Sêneca. Sêneca foi um filósofo romano ( advogado, escritor, poeta e muitas outras coisas como a maioria dos filósofos rs...) Ele também era conselheiro do imperador Nero. Nero era autoritário, ditador e desequilibrado ambos tiveram muitas desanvenças políticas. E resumindo a história dentro do que eu sei ( visto na palestra de Contardo Caligaris -  tema felicidade, casa do saber) . Se não me engano Nero faz uma piada de mal gosto e manda Sêneca se matar, tipo "Sai daqui vai, vai se matar". E Sêneca fez isso, mas não porque Nero ordenou e sim porque ele chegou conclusão que seu propósito de vida havia acabado, já que na visão estóica tem um conceito estóico : "Tudo tem um propósto pelo qual foi criado". O propósito de Sêneca era orientar Nero ja que desde sua criação foi também seu pedagodo. Ele queria ajudar Nero a ser um imperador honrado, correto como Marco Aurélio, César, etc... Desde que Nero mostra seu temperamento tempestuoso e arrogante o mentor do imperador perdeu sua vontade de viver, porque logo perdeu seu propósito de vida.

Sêneca avisa que vai se matar para sua esposa, ela desesperadamente pede ajuda a Nero, ele até sente um peso na consciencia, tenta evitar mais acabou não sendo possível. Antes da morte, o filósofo faz uma reunião entre amigos e realiza a sua cerimonia ritualística. Trágico não aconselhavel. A morte de Sêneca foi uma forma de protesto contra o regime. Se é digna ou não, se é certo ou não, cabe você decidir.

Tenho um comentário de um grande amigo e ótimo pensador/observador Sérgio - muito pertintente :

"Cabe frizar que para os filósofos greco-romanos, quando expunham pensamentos que desagradavam ao "imperador" e eram sentenciados a morte, caso não se retratassem... Na maioria das vezes permaneciam fiéis a sua verdade, como Sêneca, que por ter boa reputação, pode escolher o suicídio, como forma de morte digna e em protesto ao autoritarismo da época, mostrando que estava correto...

Tomamos um outro exemplo do monge vietnamita que fez a prática de "auto-imolação "

Thích Quảng Ðức (1897 — 11 de Junho de 1963), originalmente batizado de Lâm Văn Tức, foi o monge Mahayana, que durante uma manifestação na cidade de Saigon, Vietnã do Sul, contra a política religiosa do governo de Ngo Dinh Diem, ateou fogo em seu próprio corpo em um processo de auto-imolação em 11 de Junho de 1963, resultando em sua morte.

"A auto-imolação foi vista como o ponto da virada da crise Budista Vietnamita que culminou na mudança do regime"

Auto-imolação significado :

"Autoimolação é o ato de se autossacrificar em prol de algo maior como protesto ou martírio, não necessariamente ateando fogo no próprio corpo. Geralmente ligado a um ato regilioso ou ritualístico."

A RESPOSTA É O PROPÓSITO DE VIDA 

O que aprendemos com isso? Deixarei bem claro que o exemplo de Sêneca  não é um incentivo ao suicídio mas sim uma solução contra ele. Seneca foi um caso que hoje seria insensato, levando em consideração que hoje não há necessidade de tomar uma proporção de retirar a vida como se fazia antigamente alinhado a um propósito, enraizado por valores , dignidade e honra. Como dizia Bauman há uma diferença entre o épocas, sendo a nossa uma modernidade líquida. Seria tolice morrer em nome de um partido político atualmente, por exemplo. Porque sabemos que este partido dissolve , vende-se e se modifica. É muito diferente de morrer em prol de um protesto em plena guerra fria como uma mensagem de impacto a humanidade. Ou em protesto contra um dos piores imperadores de Roma.

Falo aqui do suicídio depreciativo, mas acho importante mostrar que tem outros tipos de suicídios. Se você pensa em morrer será que você estaria alinhado com o seu propósito de vida? O Propósito de Sêneca foi anulado por Nero, mas o que Sêneca fez foi um protesto e não depressão, ou falta de confiança em si. A mensagem é não anule seu propósito, isso te leva a morte, e nem deixe ser anulado por ninguém. Precisamos as vezes fazer uma auto-análise. Muitas vezes estamos em ciclos de amizade que não tem a ver conosco, frequentamos lugares pessoas e culturas desalinhadas com as nossas verdadeiras crenças, temperamentos e valores. Ir contra a corrente é suicídio, fluir com a corrente é a  vida. Querer ser o que não é, seja por valor social, moral, mídia, dinheiro, poder é "dar murro em ponta de faca". Lutar contra a natureza intrínseca é se auto-flagelar. Podemos admirar determinado grupo cultural, social ou profissional, mas temos que analisar se é aquilo é da nossa natureza. 

ARISTÓTELES - PROPÓSITO E VIRTUDE

Entramos o conceito de Aristóteles no livro " A ética de Nicômano". A virtude do homem está relacionada ao "justo meio" o equilíbrio entre vícios e a falta do excesso. Que se encaixa muito na ideia do equilíbrio no dharma no budismo, na falta do objeto da psicanálise em relação ao outro. 

"Por exemplo, a virtude da coragem é a mediana entre a covardia, vício pela falta e a temeridade, vício por excesso. Assim como o orgulho (relativo à honra) é o junto meio entre a humildade (falta) e a vaidade (excesso)."

Fonte : https://www.todamateria.com.br/etica-aristotelica/

O pensador aborda a idéia de seguir o fluxo da natureza interior também. A felicidade só pode ser realizada se você seguir o propósito, o papel , a sua função na vida. E este propósito tem uma repercursão maior, se você alinha sua função, se você descobre quem é e pra que está, consegue fazer suas tarefas com excelência. O que contribui para um bem maior. Sendo que  cada um tem uma função a ser. Colabora no funcionamento sistêmico das coisas. Precisamos de eletrecistas, terapêutas, escritores, artistas, atletas, engenheiros. Tudo tem uma conexão de entrelaços, cada instrumento é essencial para que a orchestra ecoe, combine e flua. 

Procurar a sua fluidez, como a água, ser transparente, verdadeiro e limpo. Ser virtuoso, sutil e leve.

NIETZSCHE E ESPINOSA

Espinosa disse "Deus sive natura" Deus é a natureza, nossa natureza nossa vocação é o cosmos universal alinhado ao nosso propósito. 

E  pra fechar com chave de ouro ao estilo poesia filosófica - Nietzschie disse :

"Se te apetece esforçar, esforça-te; se te apetece repousar, repousa; se te apetece fugir, fuja; se te apetece resistir, resista; mas saiba bem o que te apetece, e não recue ante nenhum pretexto, porque o universo se organizará para te dissuadir."

Amor fati : Conceito de Nietzsche ter amor a vida e até mesmo a suas adversidades. Viver com intensidade!

Amor ao Destino.

Faça o que bem entender, faça o que quer fazer, seja o que queira ser. Mas faça com equilibrio e virtude, sem que ataque a liberdade do outro. E isso é ser feliz e sair do suicídio. Primeiro é necessario descobrir o que você quer? Descobriu? Agora saia daqui e seja o que é, seja feliz!  Saia e entre, entre e saia, mas seja e seja fluido e sereno como a agua.

Outra resposta é que não há resposta, cada um tem que encontrar sua resposta através do ato maiuêtico : o questionamento é a base para se auto conhecer. A certeza que pode resolver problemas internos é conhecer-se.

Maiêutica é uma prática filosófica criada por Sócrates, onde vem o questionamento e depois o questionamento do questionamento até chegar na fonte como resultado do questionamento primário. Essa prática é parecido com o descascar de uma cebola.

Fluyendo - Ayla Schafer