Samsung - O Marketing que Imortaliza as Selfies
Allan Barbosa Nagy
São Paulo
RESUMO
Este trabalho
tem como objetivo
fazer uma análise
sobre o suposto uso da Arte na Publicidade. O uso discursivo da peça
aborda reflexões sobre as práticas cotidianas
de uma cultura popular que se comunica diretamente no contexto das belas artes. O uso emblemático do
artista Van Gogh é inserido em uma prática
realizada em redes sociais e na web a “selfie”. Baseando-se em Zygmunt
Bauman. Abordaremos reflexões sobre a fugacidade do comportamento cultural moderno em relação à selfie. O anúncio em contrapartida está inserido com uma
proposta da perpetuidade e imortalização dos hábitos modernos, utilizando-se a linguagem
da arte. Notamos
estritamente todos os fundamentos discursivos das belas artes que
contribuem para ideia de
sofisticação e imortalização de um comportamento cotidiano, tirar selfie. Será retratado também a
funcionalidade da propaganda no contexto atual,
que se utiliza do hibridismo cultural para aproximar o espectador. Esta análise será embasada através do conceito
apresentado pelo antropólogo Néstor Garcia Canclini.
Palavras-chave
Publicidade e Propaganda: Imortalização, refinamento da cultura
popular, Samsung.
O
Produto da peça publicitária refere-se à Samsung Nx mini, uma câmera desenvolvida para prometer “Selfies
Perfeitas” segundo a empresa. Tem uma tela
articulável para cima (visor Flip-Up) de 3 polegadas com lente de abertura ampla intercambiável que compete com os
smartphones. A Samsung promoveu o produto utilizando três peças,
cada uma ressalta um artista reconhecido
em pinturas famosas de autorretrato deles mesmos. Os artistas são: Vicent Van Gogh,Frida Kahlo e Albretcht Dürer.
A
peça demonstra os pintores segurando a câmera para obter o
melhor ângulo de autorretrato. Todos fazem referência aos auto-retatos
originais dos artistas presentes no
visor da NX. A campanha da Samsung Nx foi produzida pela agência Leo Brunet
da Suíça, em Zürich e publicada em 2014.
Campanha do Van Gogh :
A
propaganda da Samsung Nx Mini faz o uso emblemático do artista Vincent Van Gogh. Ele está posicionado de costas
para o observador segurando uma câmera
em sua direção, com a intenção de tirar uma foto própria. Sua mão além de carregar a máquina fotográfica,
contém manchas de tinta. A câmera abrange
uma tela de led que mostra seu rosto em primeiro plano. À sua frente localiza-se uma escrivaninha do qual estão
distribuídos alguns objetos: uma navalha,
um cachimbo sobre um prato de píres,um recipiente de vidro e uma vasilha de barro contendo girassóis. A
mesa apresenta alguns fragmentos dispersos
de fumo e uma rolha de garrafa. Reparamos também o chão assentado com pisos de madeira de MDF.Por trás da escrivaninha
se situa uma parede azulada próxima à
cor de seu paletó, onde está emoldurado um quadro
impressionista. À sua direita, temos uma luz entardecida e reluzente saindo de uma janela e indo em direção ao
artista, realçando aspectos naturais do cabelo.
Método de Analise
A imagem
contém diversos elementos e para uma interpretação aprofundada, o desmembramento destes elementos serão melhor avaliados
se forem baseados
no estudo da Fenomenologia.
“Fenômeno é
qualquer coisa que aparece à mente,
seja ela meramente sonhada, imaginada, concebida, vislumbrada, alucinada [...] Um devaneio, um cheiro,
uma ideia geral e abstrata da ciência [...] enfim, qualquer coisa. (SANTAELLA, 1995, p.
16).”
Dentro
da Fenomenologia, utilizaremos o estudo da semiose, desenvolvida por Charles Sanders Pierce, a ‘’Teoria Geral
dos Signos’ ’Pierce apresenta a compreensão
de signo, como uma representação de qualquer coisa que esteja em relação à outra. Para ele, os objetos
possuem qualidades particulares e intrínsecas.
A relação destes objetos com o indivíduo é uma forma de representar algum aspecto ou característica relacionada ao
real.A peça é um anúncio impresso
para as plataformas de mídia e revista. Iremos destrinchar a imagem que compõe diversos elementos
através destas três camadas definidas por Peirce:
“Á três categorias lógicas e universais a que
se reduzem os fenômenos absorvidos
pela mente humana, pontos para os
quais tendem a convergir: a categoria
de primeiridade (mônada), secundidade (relação diádica) e terceiridade (relação triádica). A
primeira categoria que determina um estado do
fenômeno relaciona-se às ideias de casualidade, aleatoriedade, indeterminação, espontaneidade,
presentidade, imediaticidade - é mônada. A secundidade
se referência à formação de conflitos, ação-reação, é díada. Já a terceiridade está ligada à generalidade,
continuidade, representação – é tríada (SANTAELLA, 1995)”
A
peça contém diversos elementos compostos que se referem ao artista (a secundidade). A análise também serve para
compreendermos os discursos persuasivos
da publicidade presentes na terceiridade; a representação e simbologia. Também observamos a o discurso
através da composição de cores e enquadramento fotográfico. Estes aspectos sugerem impressões
causadas na primariedade, aquilo que é.
Primeridade
"Consciência em primeiridade é qualidade de
sentimento e, por isso mesmo, é primeira, ou seja, a primeira apreensão
das coisas, que para nós aparecem, já é tradução, finíssima película de mediação entre nós e os fenômenos.
Qualidade
de sentir é o modo mais imediato, mas já imperceptivelmente medializado de nosso estar no mundo.
Sentimento é, pois, um quase-signo do mundo:
nossa primeira forma rudimentar, vaga, imprecisa e indeterminada de predicação das coisas." SANTAELLA, Lucia. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2007
Na
peça publicitária as primeiras impressões são o uso das cores, que tem como preeminência as cores primárias. O
azul é a cor predominante; sendo mesclada
com tonalidades da mesma família. Os elementos principais do cenário variam entre azul bebê e azuis esverdeados
que formam um conjunto sensorial de
uma possível percepção do azul turquesa. Observamos que um dos primeiros elementos
captados pela imagem é o cabelo alaranjado
do artista que, em segunda
instância; se complementa com o segundo elemento direto, o terno azul (Laranja e azul são cores que
complementares). Na terceira instância
temos uma câmera fotográfica sendo segurada e posicionada em direção ao próprio Van Gogh. A imagem que
aparece na tela de led da câmera é
seu rosto. Por fim declinamos o olhar mais à direita, contento girassóis, e por trás deles existe uma parede azulada,
contendo uma textura rachada. A parede entra
em harmonia com todos os elementos primordiais do cenário, contudo; o peculiar
é a sensação de profundidade que lhe é concedida. A parede do quarto contribui para dar o sentido de
dimensão da imagem. O plano de fundo só
foi possível graças ao enquadramento ‘’over the shoulder’’ que o artsita está posicionado. O enquadramento
cinematográfico ‘’sobre ombros’’ sempre tem uma
direção orientada á algum objeto. Na peça publicitária o objeto orientado seria a câmera Nx e a parede rachada do
quarto. Em segundo plano, os girassóis
que estão sob uma mesa de madeira com alguns detalhes distribuídos. Seguimos o olhar para cima, onde há um quadro
emoldurado no estilo impressionista.
Na terceira instância nota-se uma a janela com uma luz entardecida também sob perspectiva de profundidade graças ao enquadramento tridimensional.
Secundidade
“A secundidade está ligada às ideias de Dependência, determinação, dualidade, ação e
reação, aqui e agora, conflito, surpresa, dúvida”(SANTAELLA, 2002,
p.7).
O
azul apesar de não corresponder com a tonalidade do azul claro em sua obra “O quarto em arles” é facilmente
associada à ela, assim como o chão de madeira e a mesa.
O terno do artista
é um índice de fácil identificação, que está
presente em suas obras como ‘’auto retrato’’
(1889). A tela da câmera também indica a obra “Auto Retrato” que está no reflexo da imagem
apresentado no led do aparelho. A
campanha brinca com a referência da obra associando-a com uma jogada da frase “For Self-Portraits,
not for Selfies” essa frase sugere a atitude
do artista tirar selfie: auto-retrato, além da própria obra Auto-retrato presente na câmera.Temos também um
girassol sobreposto na mesa sendo uma
referência de sua outra tela “Doze Girassóis numa Jarra” (1888) , natureza morta presente em obras impressionistas. Além destas obras, o azul relembra o mesmo uso de cores como Noite Estrelada,
Estrada Com Cipreste entre outros.
Segundo o artigo da folha produzida por Nina Siegal “Desde muito cedo em sua vida artística, Van Gogh usou
molduras de perspectiva para se orientar e
desenhou sobre a tela para obter a representação correta de proporções e da profundidade de campo de suas paisagens”.
A própria profundidade dada na peça
através do plano “over the shoulder” é também uma relação indicial de uma característica única, presente no
elaboramento estético dos quadros do artista.
Terceridade
‘’A terceiridade diz respeito à generalidade,
continuidade, crescimento, inteligência.
A forma mais simples da terceiridade, segundo Peirce, manifesta- se no signo, visto que o signo é um
primeiro (algo que se apresenta à mente), ligando
um segundo (aquilo que o signo indica, se refere ou representa) a um terceiro (o efeito que o signo irá
provocar em um possível intérprete). (SANTAELLA, 2002, p.7) ’’
O
elemento principal que sustenta a peça publicitária é a inserção do artista, Van Gogh é uma figura forte e notável que
atua na propaganda como um símbolo. Nesta circunstância, o símbolo gera uma
sensação de algo sofisticado,
associado diretamente com o produto da Samsung. Van Gogh é o pilar que promove a maior parte da
argumentação do anúncio, o texto que diz “Para
autorretratos. Não para selfies” complementa a ideia de requintamento. A mancha marcada sobre a mão do artista
também contém um significado mais profundo,
além de funcionar como índice (aponta que ele havia acabado de reproduzir um quadro) elas estão
registradas na mão de Van Gogh. Neste sentido
a mancha tem um valor muito mais glamoroso do que simples marcas de tintas
dispersas em uma mão qualquer.
Tomamos a mesma linha lógica para
câmera NX, a foto na tela de led além de representar um ícone que faz referenciarão à sua obra, também está
sendo registrada por um ídolo do impressionismo.
A luz que ilumina seu cabelo toma uma interpretação ainda mais reluzente, sugere que Van Gogh possui um talento natural porque a luz do
sol faz parte da natureza; e esta naturalidade (o talento do artista) está diretamente interligada com algo concedido
pelo divino, já que luzes reluzentes são
facilmente associadas ao celestial ou algo sagrado. Esta mesma luz estando
sobreposta em sua cabeça induz
que toda esta ‘’divinização’’ também
penetra em sua mente, que lhe concede a habilidade criativa
para produzir seus quadros emblemáticos. As tonalidades
de luz que atravessam a janela, geram
uma percepção de tempo para a imagem, o entardecer. O período vespertino muitas vezes está interligado
com a singularidade do indivíduo, aquilo
que é pacífico e reconfortante, reflexivo e nostálgico, quer dizer um momento único. O chão de madeira está
reformado, bem mais agradável do que
o chão de madeira do “Quarto em Arles”, também significa um Van Gogh novo, moderno, atualizado desprovido de
sua angústia e sofrimento que retrata durante
sua vida nos quadros. O artista sofreu inúmeras decepções sendo reconhecido apenas após a sua morte, mas
este Van Gogh não é aquele mesmo
símbolo representado nas artes, é mais otimista. Não só o chão, mas o ambiente no geral apresenta-se mais
confortável. Sua mão direita está carregada
de algumas manchas de tinta e este aspecto também propõe que a própria câmera simboliza um pincel, porque
está sendo segurada pela mão. Ele utiliza
a câmera como um instrumento para fazer uma foto que está sendo representada em uma de suas obras. Neste
sentido a produção da obra “Auto- retrato” é feita sem o pincel, com uma câmera. O
pincel é um instrumento íntimo e
particular que todo artista clássico usufrui, a câmera tem a mesma conotação.
O
artista é aquele que sabe expressar das melhores formas possíveis os seus sentimentos, pensamentos, críticas e
sensações humanas através do uso da estética. Os primeiros conceitos
de arte; estética;
feio e belo surgiram na Grécia
antiga. Pensadores como Platão e Aristóteles investigaram a fundo, tornando
se precursores sobre o assunto
da arte e estética. Diferente
de Platão, Aristóteles
acreditava que a arte era uma meramente humana, dissociada do divino; em específico dissociada do mundo das
ideias defendidas por Platão.
Seguindo esta conclusão, Aristóteles afirma que as artes poderiam transgredir o real, elas caem em um campo
simbólico que permite trabalhar o surreal
e o improvável, estes dois aspectos conceder o sublime. O filósofo grego defende que a arte é capaz de
preencher o que ainda faltaria na natureza.
Outros pensadores mais à frente confirmam esta hipótese, podemos seguir uma frase bem assertiva
de Nietzsche “Temos a arte para que a verdade não nos destrua”. A arte abre
espaço para expressão de algo além do palpável,
representando o intangível. A luz do entardecer presente na peça além de transmitir “o belo”; aquele
concedido pelo divino segundo Platão, também
abre espaço para Aristóteles. Como dito anteriormente, tarde é um período ligado à introspecção,
autoconhecimento. Esta sensação é reforçada quando
Van Gogh encontra-se ‘’isolado’’ em seu quarto, explorando seu interior, procurando conhecer e manifestar seus sentimentos. Com
este discernimento, constatamos o
discurso persuasivo da Samsung: a câmera é o
pincel, onde o artista está testando suas habilidades. Tirar a foto de
si mesmo significa que ele estaria
explorando sua subjetividade, similar ao pintar um quadro que represente suas sensações. A câmera funciona
neste contexto
como
um símbolo, representa um pincel artístico ou um objeto que permite ressaltar o indivíduo, enaltecer
habilidades desconhecidas, habilidades estas
que podem ser divinas, que podem dizer muito sobre o próprio sujeito.
Com a Samsung Nx o sujeito além de
todas estas possibilidades, chega a expressar
algo que estaria a faltando na natureza(seja ela interna ou externa), preenchendo uma lacuna. O Psicanalista
Jacques Lacan afirma através de seus
estudos da linguística, as palavras não são suficientes para a expressarem os sentimentos de forma
precisa. A sua frase afirma “A verdade só pode ser dita nas malhas da ficção”.
História da Selfie
Tirar
selfie é um comportamento bem comum e constante em redes sociais, o ato foi tão ‘’viralizado’’ que chega a ser
saturar a rede. Mas para compreender a
causa deste fenômeno na comunicação iremos abordar o surgimento do fenômeno.
Depois dos autorretratos pincelados, surge o primeiro indivíduo que tira uma foto de sí mesmo:
“Outubro ou
novembro de 1839, Robert Cornelius tinha cerca de 30 anos, quando montou sua própria câmera
fotográfica na parte de trás da loja de lâmpadas
de seu pai, na Filadélfia (EUA). Ele definiu um cenário, removeu a tampa da lente, correu para a frente da
máquina, ficou imóvel por cinco minutos antes
de disparar e substituir a tampa da lente. Foi assim que surgiu o primeiro autorretrato que se tem notícia na história da
humanidade.
Satisfeito com o resultado do primeiro
‘selfie’, Robert Cornellius tornou-se
um fotógrafo especializado em retratos, mas só conseguiu manter o negócio durante dois anos, quando teve que voltar
ajudar o pai na fábrica de lâmpadas.
Robert Cornellius também era um bom químico
e conseguiu desenvolver muitas patentes para a melhoria dos projetos de iluminação. A fábrica do pai virou a maior
empresa de iluminação da América e
Robert Cornelius tornou-se um homem rico. Ele morreu em 1893, aos 84 anos.
A história foi contada pelo site Mashable,
especializado em tecnologia. Com 50 milhões
de pageviews mensais,
o Mashable foi eleito um dos 25 melhores em 2009 pela revista “Time”
Existe
uma hipótese bem provável que a definição da palavra tenha sido originada por um estudante australiano. Em
13 setembro de 2002 houve a menção
da selfie através de um fórum australiano, quando um indivíduo descreve uma foto tirada enquanto estava
bêbado em uma festa de aniversário, sofrendo um acidente. Suas palavras foram:
"Um,
drunk at a mates 21st, I tripped ofer [sic] and landed lip first (with front teeth coming a very close second) on a set
of steps," said the posting. "I had a hole about 1cm long right through my bottom lip. And sorry
about the focus, it was a selfie."
"Hum,
bêbado em um amigo de 21 anos, eu tropecei em [sic] e acertei o
lábio primeiro (com os dentes
da frente chegando em segundo lugar muito próximo) em um conjunto de passos. Eu tinha um buraco de cerca de 1 cm
de comprimento no meu lábio
inferior. E desculpe
pelo foco, era uma selfie."
O
australiano era chamado de ‘’Hopey ‘’no ambiente virtual. Sua fotografia ficou famosa, mas Hopey havia tirado com a
intenção de procurar conselhos sobre o ponto
sem seus lábios. O estudante universitário tinha o costume constante de abreviar
as palavras com a propensão
de terminar palavras
com ‘’ie’’ ou “ey”.
Anos
depois, em 2013 o dicionário Oxford adota a palavra Selfie, mas antes disso o termo começou a se tornar popular
devido ao ex-primeiro ministro Kevin Budd, que divulgou na mídia tradicional.
A editora do dicionário, Katherine Marthin afirma que os
australianos possuem uma tendência típica de encurtar
palavras e terminar elas com
“ie”.
"Parece provável que tenha se originado
no contexto australiano [...] A evidência
mais antiga que conhecemos no momento é australiana e se encaixa com uma tendência em inglês australiano
para fazer palavras engraçadas com esse final" ie ".
A
diretora editorial de Oxford, Judy Pearsall disse que o termo ajudou o empreendimento narcisista se tornar
mais encantador e cativante, devido
ao uso de diminutivo.
"The use of the diminutive -ie suffix is
notable as it helps to turn an essentially narcissistic
enterprise into something rather more endearing," editorial director Judy
Pearsall said in a statement. ”
O que representa a selfie?
O
termo selfie também serviu para diferenciar o Auto-retrato ou porta-retrato de uma foto momentânea, que na maioria das
vezes é apenas digital. Enquanto os retratos
são formas de uma expressão mais longínqua e memorável, as selfies são instantâneas e passageiras, produzidas
em grande escala de modo que as fotos
anteriores acabam sendo esquecidas ou deixadas de lado. Esta reação fugaz e incessante de tirar fotos
consecutivas vezes são reflexos sociais de uma modernidade líquida, defendida pelo sociólogo Zygmut
Bauman.
“O líquido é mais do que frágil. A relação
líquida não é uma escolha entre ambas
as partes que, coincidentemente, é uma escolha pela dificuldade em firmar laços profundos. É uma relação que
emerge em um conjunto de instituições,
regras, lutas e sistemas
simbólico, político e econômico definidos em uma
estrutura social particular”. (BAUMAN,1999)
A
liquidez definida pelo pensador, sugere que os objetos, relações humanas e instituições estão cada vez mais
transitórias: “Vivemos em tempos
líquidos, nada é para durar”. Segundo
o autor, esta liquidez está presente não só nas relações, mas sua principal crítica é a respeito da indústria
comercial. Os produtos não são
duráveis propositalmente para que sejam produzidos outros no lugar dos antigos. As modas produzem
novas tendências que andam juntamente
com as intenções do marketing. Em curto período de tempo lançam novos modelos e designs de smartphones,
roupas, tênis e etc. as selfies representam
a transformação das pessoas produtos líquidos, idêntico á logica das indústrias. As fotos sempre tendem a
se atualizar, mas todas mantem o mesmo
layout, enquadramento e padrão. Poucos aspectos mudam da mesma forma que o Smartphone Galaxy J7 se
atualiza para o Galaxy J7 Prime; existem
algumas funções diferentes, mas o produto é bem idêntico ao seu primário.
Nós sabemos diferenciar quando uma foto é selfie ou não, através dos padrões
estéticos estabelecidos pelos comportamentos sociais
na web.
Por que tirar selfies?
Issaf
Karhawi da Universidade de São Paulo publicou em 2015 o artigo “Espetacularização do Eu e #selfies: um
ensaio sobre visibilidade”. Em sua análise, ela defende
a hipótese de que selfies
:
"São caminho pelo qual o sujeito contemporâneo
passa para consolidar seu próprio
Eu”. Para a pesquisadora, houve um processo histórico até chegar no homem egocêntrico moderno.
“É importante compreender como chegamos até um momento
social em que a Imagem de si passa a ser valiosa. A evolução
do homem e seu reconhecimento como ser dotado de particularidades é um longo processo na História já que “o eu‟ nem sempre foi soberano” (DE SANTI,
2009: 14).
Durante o discorrer
do artigo, a autora se baseia na
transição histórica entre a Idade Média ao Renascimento:
“A passagem da Idade Média para a Idade Moderna
também constrói um novo regime
de visibilidade. Com o
Renascimento, a sociedade começa a testemunhar o Enfraquecimento da Igreja,
“[...] Deus parece ter se afastado para
o céu, deixando o Mundo a cargo dos homens” (DE SANTI, 2009: 21). É o nascimento do pensamento Humanista; o
homem como o centro do mundo e não mais como parte de uma Engrenagem divina [...] Mas ao mesmo tempo em que
a liberdade é dádiva, ela é também angústia”. A nova valorização do ser humano e a imposição de que ele construa
sua existência e descubra valores segundo
os quais viver, aliada a toda a dispersão e fragmentação do mundo [...], levarão à tentativa de criação de
mecanismos para o domínio e formação do eu (DE SANTI, 2009: 36)”
O
modelo de homem atual precinte na autoafirmação do eu e de sua existência, esta afirmação se manifesta através
dos registros cotidianos. O ato de registrar é importante
para que fortaleça o significado de sua existência.
Para Espinoza, a vontade de poder ou elã vital é uma espécie de necessidade do homem de manifestar sua essência para
que fique registrada na história, através
de objetos, pessoas ou da própria natureza. Na perspectiva Nietzschiana o homem deseja perpetuar a
sua imortalidade, sendo a transgressão realizada através de um registo, um legado. Constatamos diversas maneiras afirmar o legado: Ter filhos, possuir
riqueza, produzir uma obra ou algo que seja
significante para alguém ou para o mundo. Mais à frende Freud irá dar o nome de “Trieb” que significaria pulsão e
instinto residente na estrutura psíquica.
Observamos
a vontade contínua dos indivíduos de serem lembrados e notados através da selfie, contudo, o cenário se
torna um palco irônico já que estas memórias
são muito liquidificadas (BAUMAN). A futilidade, ignorância e falta de criatividade dominam grande parte das
massas. Essa massa segue as instruções
das mídias e das tendências que sugerem as formas mais liquidas de manifestar sua potência. Deste modo o
sujeito não encontra outra forma criativa
de manifestar sua existência, ele consolida sua identidade através de produtos da moda, gerada por artifícios
estrategicamente mercadológicos. No fim
são tantos dos mesmos.
A melhor forma de entender esta realidade é através de
uma comparação metafórica: O indivíduo quer evidenciar a sua potência em um
palco de teatro e não tem nada para
oferecer, apenas sua presença. Ele se torna um
personagem secundário ficando como plano de fundo, muito parecido com os outros personagens que também estão. Mas
este sujeito não se importa e nem nota
que é apenas mais um, ele já se satisfaz por apenas estar presente no palco sendo observado pelos outros, ele
faz caras e bocas para aparecer. Ele é uma
espécie de decoração do cenário, um produto que além de preencher o palco acaba promovendo o teatro, mas nunca promove a si . Ele promove grandes marcas carregando roupas que o
teatro ganha em cima do merchandising.
Hibridismo na Campanha
A
flexibilização da peça é outro aspecto interessante, não só vivemos em tempos líquidos, mas também híbridos. A
selfie é uma cultura popular que dialoga
com o erudito, não existem mais barreiras culturais entre o simples e refinado. A peça apresenta-se deste modo,
adaptável e versátil. Ó hibridismo retratado na peça publicitária é totalmente alinhado
com a realidade das artes atuais, o que facilita a aproximação do espectador em seu contexto
moderno.
A definição de hibridismo cultural do antropólogo Nestor
Garcia Canclini propõe o ato de
“desterritorialização”. O objetivo de “descolecionar” camadas culturais, proporcionando a divisão
destes bens. O hibridismo é fluído mas também
não busca a preservação de memória, origem ou tradição. As artes são mutáveis e podem ser fundidas. Neste
sentido a publicidade está frequentemente
bebendo da fonte das artes para gerar seu movimento, misturando um recurso poderoso, encantador e sublime de forma
que ele se hibridize com a “intenção de marketing”.
“O hibridismo cultural, para o autor, traz
consigo a ruptura da ideia de pureza. É uma prática multicultural, possibilitada pelo encontro de diferentes culturas.
Processo analisado pelo autor, nos movimentos
artísticos verificados na América Latina”
(SOUSA,2013. processo de hibridação cultural: prós e contras)
Conclusão
A
peça publicitária aborda um problema e uma solução. Selfies não são legais, porta-retratos são “selfies ”melhoradas.
Para que a efemeridade da selfie possa se
imortalizar a peça usa o diálogo das artes. O hibridismo presente na peça abre possibilidade para um leque maior de
público alvo, não se restringindo apenas
à conhecedores de belas artes. A Samsung lança um produto aproveitando-se estrategicamente do
contexto atual, o egocentrismo e a potencialização
do eu que está presente no âmbito coletivo. Van Gogh é imortal, uma imagem
simbólica que defende
a principal ideia
da peça. Um
porta-retrato
tem mais longevidade se comparado à uma selfie, esta selfie passageira pode vir a ser uma porta
retrato, pode tornar aquilo que é momentâneo
em eterno. Ser eterno é ser lembrando, a imagem do artista tirando a foto sugere que o espectador
possa transgredir seu eu para algo maior do que um fenômeno temporário, assim como Van Gogh o fez.