quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Pesquisa científica - Campanha Van Gogh | Samsung Nx

Samsung - O Marketing que Imortaliza as Selfies

Allan Barbosa Nagy

 São Paulo














RESUMO

Este trabalho tem como objetivo fazer uma análise sobre o suposto uso da Arte na Publicidade. O uso discursivo da peça aborda reflexões sobre as práticas cotidianas de uma cultura popular que se comunica diretamente no contexto das belas artes. O uso emblemático do artista Van Gogh é inserido em uma prática realizada em redes sociais e na web a “selfie”. Baseando-se em Zygmunt Bauman. Abordaremos reflexões sobre a fugacidade do comportamento cultural moderno em relação à selfie. O anúncio em contrapartida está inserido com uma proposta da perpetuidade e imortalização dos hábitos modernos, utilizando-se a linguagem da arte. Notamos estritamente todos os fundamentos discursivos das belas artes que contribuem para ideia de sofisticação e imortalização de um comportamento cotidiano, tirar selfie. Será retratado também a funcionalidade da propaganda no contexto atual, que se utiliza do hibridismo cultural para aproximar o espectador. Esta análise será embasada através do conceito apresentado pelo antropólogo Néstor Garcia Canclini.

Palavras-chave

Publicidade e Propaganda: Imortalização, refinamento da cultura popular, Samsung.

O Produto da peça publicitária refere-se à Samsung Nx mini, uma câmera desenvolvida para prometer “Selfies Perfeitas” segundo a empresa. Tem uma tela articulável para cima (visor Flip-Up) de 3 polegadas com lente de abertura ampla intercambiável que compete com os smartphones. A Samsung promoveu o produto utilizando três peças, cada uma ressalta um artista reconhecido em pinturas famosas de autorretrato deles mesmos. Os artistas são: Vicent Van Gogh,Frida Kahlo e Albretcht Dürer.


A peça demonstra os pintores segurando a câmera para obter o melhor ângulo de autorretrato. Todos fazem referência aos auto-retatos originais dos artistas presentes no visor da NX. A campanha da Samsung Nx foi produzida pela agência Leo Brunet da Suíça, em Zürich e publicada em 2014.


    Campanhas Anteriores:



   Campanha do Van Gogh :


A propaganda da Samsung Nx Mini faz o uso emblemático do artista Vincent Van Gogh. Ele está posicionado de costas para o observador segurando uma câmera em sua direção, com a intenção de tirar uma foto própria. Sua mão além de carregar a máquina fotográfica, contém manchas de tinta. A câmera abrange uma tela de led que mostra seu rosto em primeiro plano. À sua frente localiza-se uma escrivaninha do qual estão distribuídos alguns objetos: uma navalha, um cachimbo sobre um prato de píres,um recipiente de vidro e uma vasilha de barro contendo girassóis. A mesa apresenta alguns fragmentos dispersos de fumo e uma rolha de garrafa. Reparamos também o chão assentado com pisos de madeira de MDF.Por trás da escrivaninha se situa uma parede azulada próxima à cor de seu paletó, onde está emoldurado um quadro impressionista. À sua direita, temos uma luz entardecida e reluzente saindo de uma janela e indo em direção ao artista, realçando aspectos naturais do cabelo.


Método de Analise

A imagem contém diversos elementos e para uma interpretação aprofundada, o desmembramento destes elementos serão melhor avaliados se forem baseados no estudo da Fenomenologia.

“Fenômeno é qualquer coisa que aparece à mente, seja ela meramente sonhada, imaginada, concebida, vislumbrada, alucinada [...] Um devaneio, um cheiro, uma ideia geral e abstrata da ciência [...] enfim, qualquer coisa. (SANTAELLA, 1995, p. 16).”

 

Dentro da Fenomenologia, utilizaremos o estudo da semiose, desenvolvida por Charles Sanders Pierce, a ‘’Teoria Geral dos Signos’ ’Pierce apresenta a compreensão de signo, como uma representação de qualquer coisa que esteja em relação à outra. Para ele, os objetos possuem qualidades particulares e intrínsecas. A relação destes objetos com o indivíduo é uma forma de representar algum aspecto ou característica relacionada ao real.A peça é um anúncio impresso para as plataformas de mídia e revista. Iremos destrinchar a imagem que compõe diversos elementos através destas três camadas definidas por Peirce:

“Á três categorias lógicas e universais a que se reduzem os fenômenos absorvidos pela mente humana, pontos para os quais tendem a convergir: a categoria de primeiridade (mônada), secundidade (relação diádica) e terceiridade (relação triádica). A primeira categoria que determina um estado do fenômeno relaciona-se às ideias de casualidade, aleatoriedade, indeterminação, espontaneidade, presentidade, imediaticidade - é mônada. A secundidade se referência à formação de conflitos, ação-reação, é díada. Já a terceiridade está ligada à generalidade, continuidade, representação – é tríada (SANTAELLA, 1995)”

A peça contém diversos elementos compostos que se referem ao artista (a secundidade). A análise também serve para compreendermos os discursos persuasivos da publicidade presentes na terceiridade; a representação e simbologia. Também observamos a o discurso através da composição de cores e enquadramento fotográfico. Estes aspectos sugerem impressões causadas na primariedade, aquilo que é.


Primeridade

 

"Consciência em primeiridade é qualidade de sentimento e, por isso mesmo, é primeira, ou seja, a primeira apreensão das coisas, que para nós aparecem, já é tradução, finíssima película de mediação entre nós e os fenômenos.

Qualidade de sentir é o modo mais imediato, mas já imperceptivelmente medializado de nosso estar no mundo. Sentimento é, pois, um quase-signo do mundo: nossa primeira forma rudimentar, vaga, imprecisa e indeterminada de predicação das coisas." SANTAELLA, Lucia. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2007

 

Na peça publicitária as primeiras impressões são o uso das cores, que tem como preeminência as cores primárias. O azul é a cor predominante; sendo mesclada com tonalidades da mesma família. Os elementos principais do cenário variam entre azul bebê e azuis esverdeados que formam um conjunto sensorial de uma possível percepção do azul turquesa. Observamos que um dos primeiros elementos captados pela imagem é o cabelo alaranjado do artista que, em segunda instância; se complementa com o segundo elemento direto, o terno azul (Laranja e azul são cores que complementares). Na terceira instância temos uma câmera fotográfica sendo segurada e posicionada em direção ao próprio Van Gogh. A imagem que aparece na tela de led da câmera é seu rosto. Por fim declinamos o olhar mais à direita, contento girassóis, e por trás deles existe uma parede azulada, contendo uma textura rachada. A parede entra em harmonia com todos os elementos primordiais do cenário, contudo; o peculiar é a sensação de profundidade que lhe é concedida. A parede do quarto contribui para dar o sentido de dimensão da imagem. O plano de fundo só foi possível graças ao enquadramento ‘’over the shoulder’’ que o artsita está posicionado. O enquadramento cinematográfico ‘’sobre ombros’’ sempre tem uma direção orientada á algum objeto. Na peça publicitária o objeto orientado seria a câmera Nx e a parede rachada do quarto. Em segundo plano, os girassóis que estão sob uma mesa de madeira com alguns detalhes distribuídos. Seguimos o olhar para cima, onde há um quadro emoldurado no estilo impressionista. Na terceira instância nota-se uma a janela com uma luz entardecida também sob perspectiva de profundidade graças ao enquadramento tridimensional.

Secundidade

 

“A secundidade está ligada às ideias de Dependência, determinação, dualidade, ação e

reação, aqui e agora, conflito, surpresa, dúvida”(SANTAELLA, 2002, p.7).

 

O azul apesar de não corresponder com a tonalidade do azul claro em sua obra “O quarto em arles” é facilmente associada à ela, assim como o chão de madeira e a mesa. O terno do artista é um índice de fácil identificação, que está


presente em suas obras como ‘’auto retrato’’ (1889). A tela da câmera também indica a obra “Auto Retrato” que está no reflexo da imagem apresentado no led do aparelho. A campanha brinca com a referência da obra associando-a com uma jogada da frase “For Self-Portraits, not for Selfies” essa frase sugere a atitude do artista tirar selfie: auto-retrato, além da própria obra Auto-retrato presente na câmera.Temos também um girassol sobreposto na mesa sendo uma referência de sua outra tela “Doze Girassóis numa Jarra” (1888) , natureza morta presente em obras impressionistas. Além destas obras, o azul relembra o mesmo uso de cores como Noite Estrelada, Estrada Com Cipreste entre outros. Segundo o artigo da folha produzida por Nina Siegal “Desde muito cedo em sua vida artística, Van Gogh usou molduras de perspectiva para se orientar e desenhou sobre a tela para obter a representação correta de proporções e da profundidade de campo de suas paisagens”. A própria profundidade dada na peça através do plano “over the shoulder” é também uma relação indicial de uma característica única, presente no elaboramento estético dos quadros do artista.

Terceridade

 

‘’A terceiridade diz respeito à generalidade, continuidade, crescimento, inteligência. A forma mais simples da terceiridade, segundo Peirce, manifesta- se no signo, visto que o signo é um primeiro (algo que se apresenta à mente), ligando um segundo (aquilo que o signo indica, se refere ou representa) a um terceiro (o efeito que o signo irá provocar em um possível intérprete). (SANTAELLA, 2002, p.7) ’’

O elemento principal que sustenta a peça publicitária é a inserção do artista, Van Gogh é uma figura forte e notável que atua na propaganda como um símbolo. Nesta circunstância, o símbolo gera uma sensação de algo sofisticado, associado diretamente com o produto da Samsung. Van Gogh é o pilar que promove a maior parte da argumentação do anúncio, o texto que diz “Para autorretratos. Não para selfies” complementa a ideia de requintamento. A mancha marcada sobre a mão do artista também contém um significado mais profundo, além de funcionar como índice (aponta que ele havia acabado de reproduzir um quadro) elas estão registradas na mão de Van Gogh. Neste sentido a mancha tem um valor muito mais glamoroso do que simples marcas de tintas dispersas em uma mão qualquer. Tomamos a mesma linha lógica para câmera NX, a foto na tela de led além de representar um ícone que faz referenciarão à sua obra, também está sendo registrada por um ídolo do impressionismo. A luz que ilumina seu cabelo toma uma interpretação ainda mais reluzente, sugere que Van Gogh possui um talento natural porque a luz do sol faz parte da natureza; e esta naturalidade (o talento do artista) está diretamente interligada com algo concedido pelo divino, já que luzes reluzentes são facilmente associadas ao celestial ou algo sagrado. Esta mesma luz estando sobreposta em sua cabeça induz que toda esta ‘’divinização’’ também


penetra em sua mente, que lhe concede a habilidade criativa para produzir seus quadros emblemáticos. As tonalidades de luz que atravessam a janela, geram uma percepção de tempo para a imagem, o entardecer. O período vespertino muitas vezes está interligado com a singularidade do indivíduo, aquilo que é pacífico e reconfortante, reflexivo e nostálgico, quer dizer um momento único. O chão de madeira está reformado, bem mais agradável do que o chão de madeira do “Quarto em Arles”, também significa um Van Gogh novo, moderno, atualizado desprovido de sua angústia e sofrimento que retrata durante sua vida nos quadros. O artista sofreu inúmeras decepções sendo reconhecido apenas após a sua morte, mas este Van Gogh não é aquele mesmo símbolo representado nas artes, é mais otimista. Não só o chão, mas o ambiente no geral apresenta-se mais confortável. Sua mão direita está carregada de algumas manchas de tinta e este aspecto também propõe que a própria câmera simboliza um pincel, porque está sendo segurada pela mão. Ele utiliza a câmera como um instrumento para fazer uma foto que está sendo representada em uma de suas obras. Neste sentido a produção da obra “Auto- retrato” é feita sem o pincel, com uma câmera. O pincel é um instrumento íntimo e particular que todo artista clássico usufrui, a câmera tem a mesma conotação.

O artista é aquele que sabe expressar das melhores formas possíveis os seus sentimentos, pensamentos, críticas e sensações humanas através do uso da estética. Os primeiros conceitos de arte; estética; feio e belo surgiram na Grécia antiga. Pensadores como Platão e Aristóteles investigaram a fundo, tornando se precursores sobre o assunto da arte e estética. Diferente de Platão, Aristóteles acreditava que a arte era uma meramente humana, dissociada do divino; em específico dissociada do mundo das ideias defendidas por Platão. Seguindo esta conclusão, Aristóteles afirma que as artes poderiam transgredir o real, elas caem em um campo simbólico que permite trabalhar o surreal e o improvável, estes dois aspectos conceder o sublime. O filósofo grego defende que a arte é capaz de preencher o que ainda faltaria na natureza. Outros pensadores mais à frente confirmam esta hipótese, podemos seguir uma frase bem assertiva de Nietzsche “Temos a arte para que a verdade não nos destrua”. A arte abre espaço para expressão de algo além do palpável, representando o intangível. A luz do entardecer presente na peça além de transmitir “o belo”; aquele concedido pelo divino segundo Platão, também abre espaço para Aristóteles. Como dito anteriormente, tarde é um período ligado à introspecção, autoconhecimento. Esta sensação é reforçada quando Van Gogh encontra-se ‘’isolado’’ em seu quarto, explorando seu interior, procurando conhecer e manifestar seus sentimentos. Com este discernimento, constatamos o discurso persuasivo da Samsung: a câmera é o pincel, onde o artista está testando suas habilidades. Tirar a foto de si mesmo significa que ele estaria explorando sua subjetividade, similar ao pintar um quadro que represente suas sensações. A câmera funciona neste contexto


como um símbolo, representa um pincel artístico ou um objeto que permite ressaltar o indivíduo, enaltecer habilidades desconhecidas, habilidades estas que podem ser divinas, que podem dizer muito sobre o próprio sujeito. Com a Samsung Nx o sujeito além de todas estas possibilidades, chega a expressar algo que estaria a faltando na natureza(seja ela interna ou externa), preenchendo uma lacuna. O Psicanalista Jacques Lacan afirma através de seus estudos da linguística, as palavras não são suficientes para a expressarem os sentimentos de forma precisa. A sua frase afirma “A verdade só pode ser dita nas malhas da ficção”.

História da Selfie

 

Tirar selfie é um comportamento bem comum e constante em redes sociais, o ato foi tão ‘’viralizado’’ que chega a ser saturar a rede. Mas para compreender a causa deste fenômeno na comunicação iremos abordar o surgimento do fenômeno. Depois dos autorretratos pincelados, surge o primeiro indivíduo que tira uma foto de sí mesmo:



“Outubro ou novembro de 1839, Robert Cornelius tinha cerca de 30 anos, quando montou sua própria câmera fotográfica na parte de trás da loja de lâmpadas de seu pai, na Filadélfia (EUA). Ele definiu um cenário, removeu a tampa da lente, correu para a frente da máquina, ficou imóvel por cinco minutos antes de disparar e substituir a tampa da lente. Foi assim que surgiu o primeiro autorretrato que se tem notícia na história da humanidade.

Satisfeito com o resultado do primeiro ‘selfie’, Robert Cornellius tornou-se um fotógrafo especializado em retratos, mas só conseguiu manter o negócio durante dois anos, quando teve que voltar ajudar o pai na fábrica de lâmpadas. Robert Cornellius também era um bom químico e conseguiu desenvolver muitas patentes para a melhoria dos projetos de iluminação. A fábrica do pai virou a maior empresa de iluminação da América e Robert Cornelius tornou-se um homem rico. Ele morreu em 1893, aos 84 anos.

A história foi contada pelo site Mashable, especializado em tecnologia. Com 50 milhões de pageviews mensais, o Mashable foi eleito um dos 25 melhores em 2009 pela revista “Time”

Existe uma hipótese bem provável que a definição da palavra tenha sido originada por um estudante australiano. Em 13 setembro de 2002 houve a menção da selfie através de um fórum australiano, quando um indivíduo descreve uma foto tirada enquanto estava bêbado em uma festa de aniversário, sofrendo um acidente. Suas palavras foram:

"Um, drunk at a mates 21st, I tripped ofer [sic] and landed lip first (with front teeth coming a very close second) on a set of steps," said the posting. "I had a hole about 1cm long right through my bottom lip. And sorry about the focus, it was a selfie."


"Hum, bêbado em um amigo de 21 anos, eu tropecei em [sic] e acertei o lábio primeiro (com os dentes da frente chegando em segundo lugar muito próximo) em um conjunto de passos. Eu tinha um buraco de cerca de 1 cm de comprimento no meu lábio inferior. E desculpe pelo foco, era uma selfie."




O australiano era chamado de ‘’Hopey ‘’no ambiente virtual. Sua fotografia ficou famosa, mas Hopey havia tirado com a intenção de procurar conselhos sobre o ponto sem seus lábios. O estudante universitário tinha o costume constante de abreviar as palavras com a propensão de terminar palavras com ‘’ie’’ ou “ey”.

Anos depois, em 2013 o dicionário Oxford adota a palavra Selfie, mas antes disso o termo começou a se tornar popular devido ao ex-primeiro ministro Kevin Budd, que divulgou na mídia tradicional.

A editora do dicionário, Katherine Marthin afirma que os australianos possuem uma tendência típica de encurtar palavras e terminar elas com “ie”.

"Parece provável que tenha se originado no contexto australiano [...] A evidência mais antiga que conhecemos no momento é australiana e se encaixa com uma tendência em inglês australiano para fazer palavras engraçadas com esse final" ie ".

A diretora editorial de Oxford, Judy Pearsall disse que o termo ajudou o empreendimento narcisista se tornar mais encantador e cativante, devido ao uso de diminutivo.

"The use of the diminutive -ie suffix is notable as it helps to turn an essentially narcissistic enterprise into something rather more endearing," editorial director Judy Pearsall said in a statement. ”


O que representa a selfie?

 

O termo selfie também serviu para diferenciar o Auto-retrato ou porta-retrato de uma foto momentânea, que na maioria das vezes é apenas digital. Enquanto os retratos são formas de uma expressão mais longínqua e memorável, as selfies são instantâneas e passageiras, produzidas em grande escala de modo que as fotos anteriores acabam sendo esquecidas ou deixadas de lado. Esta reação fugaz e incessante de tirar fotos consecutivas vezes são reflexos sociais de uma modernidade líquida, defendida pelo sociólogo Zygmut Bauman.

“O líquido é mais do que frágil. A relação líquida não é uma escolha entre ambas as partes que, coincidentemente, é uma escolha pela dificuldade em firmar laços profundos. É uma relação que emerge em um conjunto de instituições, regras, lutas e sistemas simbólico, político e econômico definidos em uma estrutura social particular”. (BAUMAN,1999)

A liquidez definida pelo pensador, sugere que os objetos, relações humanas e instituições estão cada vez mais transitórias: “Vivemos em tempos líquidos, nada é para durar”. Segundo o autor, esta liquidez está presente não só nas relações, mas sua principal crítica é a respeito da indústria comercial. Os produtos não são duráveis propositalmente para que sejam produzidos outros no lugar dos antigos. As modas produzem novas tendências que andam juntamente com as intenções do marketing. Em curto período de tempo lançam novos modelos e designs de smartphones, roupas, tênis e etc. as selfies representam a transformação das pessoas produtos líquidos, idêntico á logica das indústrias. As fotos sempre tendem a se atualizar, mas todas mantem o mesmo layout, enquadramento e padrão. Poucos aspectos mudam da mesma forma que o Smartphone Galaxy J7 se atualiza para o Galaxy J7 Prime; existem algumas funções diferentes, mas o produto é bem idêntico ao seu primário. Nós sabemos diferenciar quando uma foto é selfie ou não, através dos padrões estéticos estabelecidos pelos comportamentos sociais na web.

Por que tirar selfies?

Issaf Karhawi da Universidade de São Paulo publicou em 2015 o artigo “Espetacularização do Eu e #selfies: um ensaio sobre visibilidade”. Em sua análise, ela defende a hipótese de que selfies :

 

"São caminho pelo qual o sujeito contemporâneo passa para consolidar seu próprio Eu”. Para a pesquisadora, houve um processo histórico até chegar no homem egocêntrico moderno. “É importante compreender como chegamos até um momento social em que a Imagem de si passa a ser valiosa. A evolução do homem e seu reconhecimento como ser dotado de particularidades é um longo processo na História já que “o eu‟ nem sempre foi soberano” (DE SANTI, 2009: 14).

Durante o discorrer do artigo, a autora se baseia na transição histórica entre a Idade Média ao Renascimento:

“A passagem da Idade Média para a Idade Moderna também constrói um novo regime de visibilidade. Com o Renascimento, a sociedade começa a testemunhar o Enfraquecimento da Igreja, “[...] Deus parece ter se afastado para o céu, deixando o Mundo a cargo dos homens” (DE SANTI, 2009: 21). É o nascimento do pensamento Humanista; o homem como o centro do mundo e não mais como parte de uma Engrenagem divina [...] Mas ao mesmo tempo em que a liberdade é dádiva, ela é também angústia”. A nova valorização do ser humano e a imposição de que ele construa sua existência e descubra valores segundo os quais viver, aliada a toda a dispersão e fragmentação do mundo [...], levarão à tentativa de criação de mecanismos para o domínio e formação do eu (DE SANTI, 2009: 36)”

 

O modelo de homem atual precinte na autoafirmação do eu e de sua existência, esta afirmação se manifesta através dos registros cotidianos. O ato de registrar é importante para que fortaleça o significado de sua existência.

Para Espinoza, a vontade de poder ou elã vital é uma espécie de necessidade do homem de manifestar sua essência para que fique registrada na história, através de objetos, pessoas ou da própria natureza. Na perspectiva Nietzschiana o homem deseja perpetuar a sua imortalidade, sendo a transgressão realizada através de um registo, um legado. Constatamos diversas maneiras afirmar o legado: Ter filhos, possuir riqueza, produzir uma obra ou algo que seja significante para alguém ou para o mundo. Mais à frende Freud irá dar o nome de “Trieb” que significaria pulsão e instinto residente na estrutura psíquica.


Observamos a vontade contínua dos indivíduos de serem lembrados e notados através da selfie, contudo, o cenário se torna um palco irônico já que estas memórias são muito liquidificadas (BAUMAN). A futilidade, ignorância e falta de criatividade dominam grande parte das massas. Essa massa segue as instruções das mídias e das tendências que sugerem as formas mais liquidas de manifestar sua potência. Deste modo o sujeito não encontra outra forma criativa de manifestar sua existência, ele consolida sua identidade através de produtos da moda, gerada por artifícios estrategicamente mercadológicos. No fim são tantos dos mesmos.


A melhor forma de entender esta realidade é através de uma comparação metafórica: O indivíduo quer evidenciar a sua potência em um palco de teatro e não tem nada para oferecer, apenas sua presença. Ele se torna um personagem secundário ficando como plano de fundo, muito parecido com os outros personagens que também estão. Mas este sujeito não se importa e nem nota que é apenas mais um, ele já se satisfaz por apenas estar presente no palco sendo observado pelos outros, ele faz caras e bocas para aparecer. Ele é uma espécie de decoração do cenário, um produto que além de preencher o palco acaba promovendo o teatro, mas nunca promove a si . Ele promove grandes marcas carregando roupas que o teatro ganha em cima do merchandising.


Hibridismo na Campanha

A flexibilização da peça é outro aspecto interessante, não só vivemos em tempos líquidos, mas também híbridos. A selfie é uma cultura popular que dialoga com o erudito, não existem mais barreiras culturais entre o simples e refinado. A peça apresenta-se deste modo, adaptável e versátil. Ó hibridismo retratado na peça publicitária é totalmente alinhado com a realidade das artes atuais, o que facilita a aproximação do espectador em seu contexto moderno.

 

A definição de hibridismo cultural do antropólogo Nestor Garcia Canclini propõe o ato de “desterritorialização”. O objetivo de “descolecionar” camadas culturais, proporcionando a divisão destes bens. O hibridismo é fluído mas também não busca a preservação de memória, origem ou tradição. As artes são mutáveis e podem ser fundidas. Neste sentido a publicidade está frequentemente bebendo da fonte das artes para gerar seu movimento, misturando um recurso poderoso, encantador e sublime de forma que ele se hibridize com a “intenção de marketing”.

“O hibridismo cultural, para o autor, traz consigo a ruptura da ideia de pureza. É uma prática multicultural, possibilitada pelo encontro de diferentes culturas.

Processo analisado pelo autor, nos movimentos artísticos verificados na América Latina” (SOUSA,2013. processo de hibridação cultural: prós e contras)


Conclusão

A peça publicitária aborda um problema e uma solução. Selfies não são legais, porta-retratos são “selfies ”melhoradas. Para que a efemeridade da selfie possa se imortalizar a peça usa o diálogo das artes. O hibridismo presente na peça abre possibilidade para um leque maior de público alvo, não se restringindo apenas à conhecedores de belas artes. A Samsung lança um produto aproveitando-se estrategicamente do contexto atual, o egocentrismo e a potencialização do eu que está presente no âmbito coletivo. Van Gogh é imortal, uma imagem simbólica que defende a principal ideia da peça. Um

porta-retrato tem mais longevidade se comparado à uma selfie, esta selfie passageira pode vir a ser uma porta retrato, pode tornar aquilo que é momentâneo em eterno. Ser eterno é ser lembrando, a imagem do artista tirando a foto sugere que o espectador possa transgredir seu eu para algo maior do que um fenômeno temporário, assim como Van Gogh o fez.

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