quinta-feira, 26 de maio de 2022

Ensaios do mar : Sobre a verdade (poesia + hermenêutica)















Ensaio do mar: Sobre a verdade

Há uma certa preparação para ouvir um tipo de oração. 

É uma meditação sutil, ouvimos as batidas de um coração febril. 

A dança ocorre, o barco... balança.

A oração afortuna aqueles que se desconfortam, porque estes reparam... os males que comportam. 

A verdade é revelada pelos sentidos, apurados pelo mar... este... capaz de levar e elevar.

O desequilíbrio... é um passo para o marinheiro aprender a remar. 

As vozes da natureza ressoam no íntimo, em um momento silencioso e nítido. 

Começando pelo arrepio da derme, vem a vibração do espírito, onde tudo lhe cabe, onde tudo lhe serve, 

onde tudo discerne. 

A água revela, limpa e divide a verdadeira da falsa natureza. 

A senhora da destreza, a água é a velha mãe sábia natureza. 

Neste ambiente não se deve contaminar, nem se afogar, mas sim se limpar. 

Se quero enxergar, a cara limpa é necessária. . .

A mística sempre esteve a me revelar 

Nunca seja desonesto, porque as sereias do desejo, afundam o seu molejo, 

como forma de protesto

A desnudez da alma entende a essência do ser, aquele ser que merecer. 

O não ser, cabe-lhe afogar e lidar com as profundezas do mar. 

Caso haja uma conversa interna, caso ouça lições de uma voz materna, a 

oração do mar é onde o espírito se deleita, onde a paz à espreita. 

O silêncio é a voz do mar, onde se acalmam os gritos do espírito quando as ondas vão quebrar. 

Água, sangue da terra.

____________________________________________________________________________________

Hermenêutica ( Teoria do estudo da interpretação )

Aplicando hermenêutica cruzada

"Há uma certa preparação para ouvir um tipo de oração’’

A oração tem um aspecto sagrado e místico, estar pronto para ouvir é educar a psique humana e também criar  experiências, visto que o cérebro tem padrões e condicionamentos fixados em redes neurais. Uma das formas de gerar a neuroplasticidade e novas sinapses é viver o momento presente, contemplativo que se abstêm do julgamento. Ouvir, entregar, flexibilizar é um ponto de partida para que as novas experiências sejam incorporadas. Só é possível ouvir a oração quando preparado para receber, interiorizando e não exteriorizando.

‘’A oração afortuna aqueles que se desconfortam, porque estes reparam ... os males que comportam’’

O processo psíquico de entrar em contato com novos meios de experiência muitas vezes gera desconforto, a ideia é transpassar essa barreira relembrando a dor e as dificuldades que se repetem. Reforçar o porque você esta procurando é potencializador de motivação para se libertar.

“O desequilíbrio... é um passo para o marinheiro aprender a remar” –

Desequilíbrio é o choque que ocorre quando há uma nova informação e experiência. Aprender a remar é adaptar se  com o inédito, a psique estranha e  tende a rejeitar, como um leigo aprendendo um novo ritmo. Com uma fonte de inspiração platônica, a segunda navegação que Platão aborda é um rompimento com as primeiras linhas de pensamento dos filósofos naturalistas \ pré socráticos.  Navegar é a metáfora que se refere ao pensador. Ele é o marinheiro  que tem o entendimento e execução do barco, tentando descobrir o desconhecido (novas terras)

“As vozes da natureza ressoam no íntimo, em um momento silencioso e nítido. Começando pelo arrepio da derme, vem a vibração do espírito, onde tudo lhe cabe, onde tudo lhe serve, onde tudo discerne” –

A introspecção analítica necessita de um presente muito real, real para si. Inspirado em Heidegger, há também uma experiência mística de ordem fenomenal quando a análise interna é vocacionada ao lado sagrado “hermenêutica configura-se ao ser-aí como uma possibilidade de vir a compreender-se e de ser essa compreensão” (HEIDEGGER, Martin. Fenomenologia da vida religiosa Petrópolis: Vozes, 2010.)  

‘’A água revela, limpa e divide a verdadeira da falsa natureza. A senhora da destreza, a água é a velha mãe sábia natureza. Neste ambiente não se deve contaminar, nem se afogar, mas sim se limpar.  Se quero enxergar, a cara limpa é necessária. . .’’

Aspecto semiótico dos elementos da natureza, a água é o elemento da emoção e da transparência que limpa e desdobra o que é, do que não é. A agua separa elementos falsos do ser. A segunda etapa é  o  fogo que transmuta e e faz a ascenção. A agua limpa o interior para o fogo elevar o exterior de um eu verdadeiro. Mudança harmoniosa , ascensão clara.

‘’A desnudez da alma entende a essência do ser, aquele ser que merecer. O não ser, cabe-lhe afogar e lidar com as profundezas do mar. Caso haja uma conversa interna, caso ouça lições de uma voz materna, a oração do mar é onde o espírito se deleita, onde a paz à espreita.’’  

Sereias do desejo, uma referência a Odisseia. As sereias são a representação dos impulsos e desejos inconscientes. Odisseu amarra-se no mastro para não ceder aos impulsos obscuros do mar. Significa proteger-se de si mesmo, esse simbolismo denota a capacidade de auto avaliar (Heidegger) impondo limites nocivos. Lembremos que toda natureza tem seu aspecto sombrio, e a escuridão do mar é o mais profundo instinto de emoções que podem afogar Odisseu.  O molejo representa autos sabotagem e autoengano, é um processo que a sombra no subconsciente encontra para se emergir e dominar. Uma justificativa para decidir errado, o molejo é a “malandragem” que a pessoa faz consigo convencendo-se que tem o controle e que pode “dar um jeitinho” e ainda se sair bem.  A vontade sexual da qual você sabe que arriscaria, é insano e impossível ter um ato sexual com uma sereia, porque é um monstro e claramente é uma armadilha, assim como Odisseu foi avisado. Para os gregos as condutas são muito claras, como podemos entender a palavra eudamonia de Aristóteles.

Não muito distante da nossa realidade, Homero e Hesíodo já relatavam os problemas de emoção, desejo e ilusão. Você ama alguém, sabe que perigoso ou impossível e se entrega ao canto fictício da sereia.

“Caso haja uma conversa interna, caso ouça lições de uma voz materna, a oração do mar é onde o espírito se deleita, onde a paz à espreita. “

Novamente a conversa interna é a autoanálise, “pratos limpos” abrem espaço para o novo ser, que já é, mas que não veio a ser. Não é possível ser outro, a mudança não incorpora outra personalidade. Parmênides afirma “O ser é todo inteiro - se o ser tivesse partes, algo nele seria separado, não fazendo parte do ser” “o ser é, o não ser não é” uma frase que a princípio óbvia, mas a mensagem paradoxalmente complexa. A personalidade nossa é fixa. Mudar a si não é ser outro, mas remodelar, criar sinapses que descobre novas formas do eu que não foi explorado. A versão aprimorada de si, no oculto que agora é emergido.

“Caso haja uma conversa interna, caso ouça lições de uma voz materna, a oração do mar é onde o espírito se deleita, onde a paz à espreita”

Voz materna carrega o arquétipo da “Anima” do psicanalista Carl Jung, anima é o lado feminino inconsciente do homem, sendo um tabu para os homens com medo de perder a virilidade. Para ocorrer todo processo desta hermenêutica é preciso trabalhar o sentimento, parte do universo feminino, a água é delicada, fluida, misteriosa, independente e seletiva. Quando você joga água sobre a mão aberta, grande parte do líquido cai, mas alguns resquícios ainda ficam na mão e absorvem a pele. Isso é a capacidade de decidir e selecionar. Característica presente no universo feminino, quem escolhe e decidi os laços amorosos é a mulher (claro com exceções). Toda decisão correta a tomar demanda transparência que carece de emoção honesta, escolhe e absorve como a água. Quando é falso a água solidifica, vira gelo. Caso a água sofra de um fogo (masculino) dominador e sobreposto desenfreadamente, evapora.

“Água, sangue da terra”  

A água é o pulso vital, o sangue que corre dos seres e a terra é o corpo, a estrutura, o equilíbrio e ancoragem que possibilita o elemento líquido  transbordar.

Curiosidade: No folclore romeno a figura o strigoi” (romano strix, latim “striga” pássaro que grita em nome da vítima) conhecido como vampiro; não poderia atravessar um curso de água corrente, pois será enfraquecido, sugado e aprisionado por ela, podendo ficar sem saída até o amanhecer. Em algumas versões essa criatura tem o risco de extinção caso olhe para o seu reflexo na água, ocorre um choque do antinatural ao encontro do elemento natural, revelando o profano, extinguindo o falso.